É, pessoal… em tempos desafiadores ao diálogo, em vista do recrudescimento dos discursos de ódio e das demonizações do outro, em que o mundo amplifica cada vez a dispersão das informações, assumir a responsabilidade de vivenciar o Evangelho e manter nossa comunicação em harmonia com o Cristo tem sido cada vez mais desafiador.
No Evangelho de Mateus já estão registradas duas máximas fundamentais completamente opostas à tendência da maioria:
“Bem-aventurados os que são brandos, porque possuirão a Terra.” (Mateus, 5:5.)
“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus, 5:9.)
Afinal, o que nos dificulta tanto domar nossos impulsos de cólera, expressos com tanto frequência por meio da nossa comunicação cotidiana?
O cenário de desentendimentos e as próprias experiências pessoais estimularam o psicólogo Marshall Rosenberg, não satisfeito com as explicações mais tradicionais, a buscar no estudo das religiões comparadas, da pedagogia de Paulo Freire, das ideias de Mahatma Gandhi e de outras ideias, um sentido para o questionamento acima exposto, desenvolvido de outra forma: o que faz com que as pessoas percam tão facilmente sua capacidade compassiva?
Ao final de suas pesquisas, o Rosenberg veio a descobrir que a linguagem e as palavras têm um papel crucial na conexão ou desconexão do ser com uma natureza de brandura. Assim, percebeu que o que gerava a violência era uma maneira específica de pensar, de se comunicar, baseadas em estruturas de dominação que definem julgamentos de superioridade, numa linguagem centrada na submissão, obediência forçada, culpa, ameaça e no medo.
Dessa forma, Marshall identificou uma abordagem específica da comunicação, capaz de saber falar e ouvir, que leva os seres a se entregarem de coração e a se conectarem a si mesmos e aos outros. Assim, Rosenberg estruturou o que chamou de comunicação não-violenta (CNV), disposta em quatro componentes ou etapas. Vejamos como nossos colegas do canal do YouTube Espiritalks descrevem esses componentes:
Registrando em forma de síntese temos que:
- 1ª Etapa: observar sem fazer nenhum julgamento ou avaliação, mas simplesmente dizer o que nos agrada ou não naquilo que as pessoas estão fazendo. Isso ajuda a ver com clareza o fato em si mesmo ao invés das nossas próprias projeções;
- 2ª Etapa: identificar como nos sentimos ao observar aquela ocasião, se estamos magoados, assustados, alegres, etc. Perceber claramente nossos estados emocionais e assumir a responsabilidade por eles;
- 3ª Etapa: reconhecer a necessidade própria e do outro que estão escondidas atrás de cada sentimento, fala, atitude, para construir uma comunicação empática. Assim, quando as necessidades são identificadas, e cada pessoa se responsabiliza pelos seus sentimentos, consegue-se estabelecer uma conexão com si próprio e com os outros.
- 4ª Etapa: fazer pedidos honestos ao invés de exigências. Quando conseguimos expressar aquilo que observamos, sentimos e necessitamos, podemos então fazer um pedido de forma clara e objetiva.
Esses elementos nos levam rapidamente a fazer as conexões com o Cristo. Jesus jamais desprezou quem quer que fosse. Sempre acolheu, entendeu, valorizou, consolou e encorajou todos aqueles que, de uma forma ou de outra, solicitavam sua atenção e ajuda, bem como todos os que demonstravam raiva e ressentimento contra sua palavra. Jesus jamais puniu as criaturas em seus deslizes: primeiro porque compreendia a fragilidade e falibilidade inerentes à condição humana e, segundo, porque vislumbrava nos erros uma possibilidade de aprendizagem e mudança interior dos próprios faltosos.
Observem com atenção, nesta passagem, a grandeza da compreensão e do acolhimento de Jesus ao abordar a mulher acusada de maus comportamentos:
Vejam que, silenciosamente, o Cristo passou pelas primeiras três etapas da CNV, pois em momento algum mostrou revolta com as atitudes violentas e injustas contra a mulher, tampouco foi ríspido, irônico ou rancoroso com os acusadores. Ao dirigir sua palavra, lançou suas lições a estes e amplo incentivo com absoluta brandura, mansidão e fraternidade à vítima.
Rosenberg sintetiza, e pelas quatro etapas acima fique bem claro, que a CNV se sustenta por dois importantes pilares:
“Expressar-se com honestidade. Receber com empatia” (1) [4].
Para nos aproximarmos do exemplo do Mestre de Nazaré, o criador da CNV já oferece o encaminhamento: EMPATIA, que é a ação de se colocar no lugar de outra pessoa, buscando agir ou pensar da forma como ela pensaria ou agiria nas mesmas circunstâncias.
Vejam esse diagrama sobre o processo de despertar a empatia e como ele está em ampla sintonia com as quatro etapas da CNV:
O Espiritismo aprofunda o campo de afetação da comunicação não-violenta e consequentemente a responsabilidade do ser com os pensamentos e as palavras, estabelecendo que a linguagem é muito mais do que palavras meramente articuladas recepcionadas pelo próximo, mas de um inequívoco processo de interação com o plano material e o plano espiritual, que nos remete a um permanente campo de atração de outros espíritos que sintonizam com o pensamento, potencializando seus efeitos e seguindo os princípios da afinidade.
Dessa forma, se a comunicação for estruturada a partir de julgamentos, submissões, ameaças ou violência, ela nos associará mentalmente a outras consciências que vibram da mesma forma e que buscam prejudicar as relações.
Kardec ao comentar o texto evangélico, fez questão de frisar a importância do diálogo e da cordialidade:
“Jesus faz da brandura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência, uma lei. Condena, por conseguinte, a violência, a cólera e até toda expressão descortês de que alguém possa usar para com seus semelhantes. […] toda palavra ofensiva exprime um sentimento contrário à lei de amor e da caridade que deve presidir às relações entre os homens e manter entre eles a concórdia e a união; é que constitui um golpe desferido na benevolência recíproca e na fraternidade; é que entretém o ódio e a animosidade; é, enfim, que, depois da humildade para com Deus, a caridade para com o próximo é a lei primeira de todo cristão.” (Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. IX, item 4)
O espírito Emmanuel também ressaltou que as
“(…) palavras são agentes na construção de todos os edifícios da vida. Lancemo-las, na direção dos outros, com equilíbrio e tolerância com que desejamos venham elas até nós.” (2)
Também André Luiz registrou a responsabilidade de cada ser com a comunicação, enfatizando o mau uso que se tem feito das palavras:
“É lamentável se dê tão escassa atenção, na Crosta da Terra, ao poder do verbo, atualmente tão desmoralizado entre os homens. Nas mais respeitáveis instituições do mundo carnal, […] metade do tempo é despendida inutilmente, através de conversações ociosas e inoportunas. O verbo cria imagens vivas, […] produzindo consequências boas ou más, segundo a sua origem. Essas formas naturalmente vivem e proliferam e, considerando-se a inferioridade dos desejos […], semelhantes criações temporárias não se destinam senão a serviços destruidores, através de atritos formidáveis, se bem que invisíveis.” (3)
Além das lições de Kardec e dos Espíritos, sempre é importante lembrar do nosso querido Chico Xavier, que, pela sua maneira própria e amorosa de se comunicar, especialmente por entrevistas e pelas conversas diretamente dirigidas pelas pessoas, também foi um dos exemplos maiores da prática da comunicação não-violenta. Jamais usando da ironia, mas frequentemente, do bom humor, Chico sempre passava ótimas lições às pessoas em sua volta. Vejamos pequenos relatos de sua vida e percebam como tudo se resolve com brandura e suavidade:
Percebemos que a CNV pode ser um excelente modo de buscar a paz e a brandura dentro dos nossos lares. Normalmente os diálogos acabam desaguando em quem vence a disputa, ou “como fazer minha autoridade valer” ou então “como demonstrar de que já sou dono(a) das minhas escolhas”, etc, etc, etc. Como trazer harmonia na nossa comunicação familiar?
De acordo com o Evangelho e com a CNV, essa ordem lógica pode ser um bom encaminhamento para tornar os diálogos menos difíceis (4):
- Com muita frequência colocamos de lado os argumentos do outro. Discutir resulta em uma guerra de mensagens em vez de nos ajudar a compreender nossos pontos de vista diferentes. Em vez de nos aproximar, a discussão nos afasta.
- Presumimos que sabemos as intenções dos outros quando, na verdade, não sabemos.
- Podemos descobrir que não temos mais de enviar pedidos, e, sim, que temos mensagens para compartilhar partilhar e algumas perguntas a fazer.
- O que penso sobre as suas intenções afetará o que penso de você e, em última análise, o desenrolar do nosso diálogo.
- “Como será que eles veem o mundo de modo que o ponto de vista deles faça sentido?” Nossa certeza nos tranca do lado de fora da história dos outros; a boa vontade e a empatia nos deixam entrar.
- A questão não é se surgirão sentimentos fortes, mas como lidar com eles quando aparecem.
- Algumas vezes as pessoas têm desentendimentos sérios, mas mesmo assim a pergunta mais útil não é “quem tem razão?” e sim “agora que nós realmente compreendemos um ao outro, qual a melhor maneira de contornar o problema?”
- O distanciamento da suposição da verdade nos liberta do objetivo de provar que estamos certos e nos indica o caminho para compreendermos as percepções, interpretações e os valores de ambos os lados.
Podemos utilizar o método indicado pela CNV para domar nossos impulsos e dar espaço para um pensamento mais generoso e empático com nossos familiares. Nesse sentido, assistam ao vídeo a seguir, do canal do YouTube Diálogos Corajosos onde os participantes fazem várias simulações de diálogos com e sem aplicação de CNV:
Então? O que vocês acham da aplicação da CNV e de sua aliança com o Evangelho e com o Espiritismo?
Vamos conversar mais sobre esse tema na nossa próxima live de sábado às 18h no YouTube com nosso podcast! A live será no canal do Cefak no YouTube! Aguardamos você no Podlá!
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Referências
ROSENBERG, M. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: ÁGORA, 2006. p. 133.
XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). Livro da Esperança. 15 ed. Uberaba: CEC, 1998. Capítulo 24 “Verbo Nosso”.
XAVIER, F. C.; ANDRÉ LUIZ (Espírito). Obreiros da Vida Eterna. 45 ed. Brasília: FEB, 2013. Capítulo 2 “No Santuário da Bênção”.
Inspirados em DOUGLAS STONE; BRUCE PATTON; SHEILA HEEN. Conversas Difíceis – edição 2011 (Locais do Kindle 541-543). Edição do Kindle.